Reforma do capitalismo nos EUA causa reviravolta em Guerra da Ucrânia


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Ao completar três anos nesta segunda-feira (24), a Guerra na Ucrânia vive importante reviravolta motivada pela reestruturação do capitalismo no interior dos Estados Unidos (EUA). Tal reviravolta é marcada pela exclusão da Europa das negociações de paz, o isolamento do governo da Ucrânia e o atendimento às exigências de Moscou. 

Os novos rumos da guerra são fruto da resposta de Donald Trump à perda de espaço e competitividade de economia estadunidense para, principalmente, a Ásia. com destaque para a China. Essa é a avaliação do especialista em Europa, ex-senador pela Itália em 2006, o ativista ítalo-brasileiro José Luís Del Roio. 

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“Pesquisas e livros dos EUA vêm alertando que todo aparato norte-americano, toda sua economia, está para estourar. A produção dos Estados Unidos é muito baixa. As tensões entre os estados são altíssimas. O nível da dívida interna é inimaginável. É uma Hollywood, parece que está tudo bem, mas está tudo mal”, destacou.

Desde o final da 2ª Guerra Mundial, a Europa – então aliado de primeira ordem dos EUA – recebe recursos do Tesouro estadunidense por meio da Otan [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Agora, Washington diz que a Europa deve pagar sua própria segurança.


U.S. President Donald Trump signs an executive order in the Oval Office of the White House in Washington, U.S., February 10, 2025. Reuters/Kevin Lamarque/Proibida reprodução
U.S. President Donald Trump signs an executive order in the Oval Office of the White House in Washington, U.S., February 10, 2025. Reuters/Kevin Lamarque/Proibida reprodução
U.S. President Donald Trump signs an executive order in the Oval Office of the White House in Washington, U.S., February 10, 2025. Reuters/Kevin Lamarque/Proibida reprodução – REUTERS/Kevin Lamarque/Proibida reprodução

Del Roio avalia que Trump tenta uma alternativa à situação atual da economia dos EUA. “Se a alternativa é boa ou ruim, para os EUA e para o mundo, vamos ver. O que está em jogo é a reestruturação do capitalismo norte-americano a partir do seu interior”, acrescentou. 

Para o analista, a Europa vai precisar se reinventar e avalia que tanto a Otan, quanto a União Europeia (UE), devem se desintegrar. “Esse terremoto interno nos EUA atinge profundamente a Europa. Agora, ela está órfã”, completou. 

Para especialistas em relações internacionais consultados pela Agência Brasil, a Guerra da Ucrânia marca o início de uma nova ordem global com o fim da arquitetura de poder criada após a 2ª Grande Guerra. 

O professor de relações internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Elídio A. B. Marques, lembra que, quando a guerra começou, em fevereiro de 2022, a Europa vinha se aproximando da Rússia, especialmente por causa da necessidade do gás barato russo. 

Elídio diz que o conflito levou o continente, em especial à Alemanha, a se alinhar de maneira incondicional à posição de Washington, que tentava isolar Moscou. “Contraditoriamente, a nova política dos EUA pode significar uma aceleração do fim do conflito na sua forma atual. Agora, com a interferência do Trump no processo, a Europa fica ainda mais rebaixada a um aliado ainda menos relevante”, completou.

Ucrânia 

As exigências impostas por Trump à Ucrânia, como o acesso à recursos estratégicos do país, é visto pelos especialistas como uma chantagem e um tipo de relação que retoma à escravidão. 


Bombeiro nos destroços de hotel atingido por ataque russo em Odesa, na Ucrânia
Bombeiro nos destroços de hotel atingido por ataque russo em Odesa, na Ucrânia
Bombeiro nos destroços de hotel atingido por ataque russo em Odesa, na Ucrânia – STATE EMERGENCY SERVICE OF UKRAI/REUTERS

O presidente estadunidense quer controlar recursos do território ucraniano, como as chamadas terras raras, grupo de 17 elementos químicos de interesse das grandes potências. Trump alega que a Ucrânia deve retribuir a ajuda militar e financeira de cerca de U$S 350 bilhões para a guerra.

A doutora em relações internacionais e professora da FIA Business School, Carolina Pavese, avalia que a proposta viola os princípios mais básicos da diplomacia comercial.

“Uma chantagem extrema. Essa contribuição não é uma doação. Quando os EUA ajudam a Ucrânia, na verdade, estão ajudando sua própria indústria bélica porque a maior parte dela foi canalizada para armamentos produzidos nos EUA”, disse. 

Para Pavese, Washington tenta reservar os recursos da Ucrânia para corrida tecnológica. “Esses elementos de terras raras são muito concentrados em poucas geografias. Os EUA querem impedir que a Europa e a China tenham acesso a esses recursos. A Ucrânia tem 20% do grafite do mundo”, completou a também professora do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT).


Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, discursa durante reunião em Washington
11/12/2023 Serviço de Imprensa da Presidência da Ucrânia/Divulgação via REUTERS
Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, discursa durante reunião em Washington
11/12/2023 Serviço de Imprensa da Presidência da Ucrânia/Divulgação via REUTERS
Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, discursa durante reunião em Washington 11/12/2023 Serviço de Imprensa da Presidência da Ucrânia/Divulgação via REUTERS – Reuters

Para o especialista José Luiz Del Roio, as exigências de Trump para Ucrânia remontam a uma relação de tipo escravocrata. “Isso é uma coisa implacável. É a destruição e escravidão em uma população. Mesmo que o governo ucraniano tenha sido ladrão [dos recursos enviados pelos EUA], e parece que foi, você não pode cobrar da população”, ponderou. 

Nova Ordem Mundial 

O professor da UFRJ, Elídio Marques, afirma que a invasão da Ucrânia marcou o fim da ordem mundial criada em 1945. “Uma grande questão para todos os atores é a de como se posicionar para se defender das ondas de turbulência produzidas por esta mudança”, pontou. 

Avaliação semelhante faz Del Roio, que diz que será preciso construir um novo arcabouço institucional para as relações entre os Estados nacionais. “É necessário um esforço muito complicado. Será preciso sentar-se Rússia, China e Estados Unidos para tentar, se for possível, desenhar um novo arcabouço”, informou.

Para o especialista, não será possível excluir a Índia dessa equação e a África teria que ser levada em consideração, principalmente devido à sua expansão demográfica acelerada. 

“Todo o arcabouço mundial vai ter que ser refeito. Requer muita coragem, muita inteligência, pouca ambição dos Estados e uma grande ambição à humanidade porque a situação não está boa, não. Essa mudança é justa porque a Europa era um centro mundial e hoje não é mais, e será sempre menos”, completou. 

Rússia 

Já a Rússia sai fortalecida no cenário global dessa guerra com a nova conjuntura, tendo suas demandas atendidas, como a aquisição dos territórios do leste e a não adesão de Kiev à Otan, avaliou a doutora pela London School of Economics, Carolina Pavese.


Presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou
Presidente da Rússia, Vladimir Putin, em Moscou – Sputnik/Mikhail Klimentyev/REUTERS

“Direta ou indiretamente, os EUA estão ajudando Moscou a sair fortalecida perante o continente europeu. E ela ainda continua exercendo forte influência global, como na China ou com o Irã, países com os quais, ao contrário dos EUA, a Rússia tem um canal de diálogo forte. Nesse sentido, fortalece a Rússia não só na região, mas na política internacional”, analisou.